domingo, 12 de abril de 2009

Como NÃO fazer um filme pornô

por Sergio Martorelli

Esta é uma história real. Os nomes não foram trocados, apenas abreviados. Fodam-se os culpados.

É o pior pornô que vi em toda a minha vida, mas L., o diretor, se acha o novo John Stagliano. Durante sessenta longos e torturantes minutos, vejo as atrizes mais feias, os ângulos mais tortos e a edição mais tacanha em vinte e oito anos de cinefilia, enquanto L. destaca uma ou outra cena com incompreensível orgulho.

– Viu aquilo? – diz ele.
– Aquilo o que?
– Um contraplano! Aprendi a fazer cinema!

E eu, diplomaticamente, me abstenho de dizer que a câmera está fora de eixo. Aquele rapaz precisa de ajuda profissional.

L. é um ex-publicitário que resolveu dirigir e produzir pornôs. Não tem talento algum pra coisa e, sejamos francos, nunca terá. Mas conseguiu vender 50 cópias de seus dois primeiros filmes, e começou a achar que o mercado brasileiro engole qualquer porcaria que tenha um casal nu e transando. Em minha benevolência, me propus a ajudá-lo numa nova produção – decente, desta vez.

Que ilusão.

***

A coisa começou mal desde a seleção do elenco. Elaborei um anúncio de jornal procurando “modelos femininos para filmes eróticos, boa aparência necessária, altos ganhos”. Por questões de economia (leia-se mão-de-vaquice pura e simples), L. editou o anúncio para o mínimo de palavras: “Modelos p/ filme, altos ganhos”. Foi um inferno: metade dos aspirantes a estrela global telefonaram, nos xingando prontamente quando dizíamos que tipo de filme era. Providenciou-se um novo anúncio, mais específico: “Modelos p/ filme erótico, altos ganhos”. Outro inferno. A proporção entre os homens e as mulheres que ligavam era de gang bang: 20 para uma. O pior é que eles eram muito mais bonitos que elas!

Quem pensa que a sina de um produtor pornô é viver cercado de gatinhas lindas, tinha que ver os jaburus que apareciam. Uma delas, oriunda da Vila Mimosa e parecida com um javali de spandex, chegou com os dois olhos roxos e inchados, cheia de hematomas e carregando uma trouxa. Estava fugindo do cafetão e se propunha a fazer o que quiséssemos, desde que pudesse morar no escritório. Foi um custo convencer aquela coisa a ir embora. Pensamos até em chamar o IBAMA.

***

Selecionado o elenco, L. reuniu o pessoal para uma “oficina”. Muito justo: é terrível contratar uma atriz e descobrir, só na hora agá, que ela nem sabe gemer direito. Mas o que se viu parecia coisa de teatro de vanguarda: rapazes de cueca e moças de lingerie se esfregando numa sala às escuras. A intenção era acabar com inibições e constrangimentos, como se quem se propusesse a aparecer num pornô tivesse tais coisas. L., todo inchado, fazia pose de Stanislawsky. As moças, garotas de programa, lamentavam trocar uma noite lucrativa na Help! por aquele “teste”.

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Enfim, o dia D: as filmagens! Flat alugado, maquiadora a postos, iluminação marcada, câmeras prontas…

E cadê o elenco feminino?

No quarto, quatro marmanjos seminus, sedentos para transar de graça e ainda ganhar por isso, aguardavam ansiosos suas parceiras. Toca a telefonar pras moças:

– Olha, eu pensei melhor e achei que meu namorado não ia gostar…
– Eu tô menstruada… que chato, logo hoje…
– Dhayanne? Aqui não mora ninguém com esse nome!

E assim por diante.

Mas a esperança é a última que morre, e logo chega…

Isso mesmo! A tapa-buraco, a regra-três, a Mulher Mais Feia do Elenco!

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Tomada 1: Panorâmica pela praia do Leblon, vista da sacada do flat. Fusão para a Mulher Mais Feia do Elenco na sacada, olhando a paisagem. Close na bunda da senhorita. Seca, magra, cheia de perebas. CORTAAAA!!!

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O parceiro da Mulher Mais Feia do Elenco seria N., call-boy, que desde o início tentou tudo para impressionar a produção:

– Faço ativo, passivo, transo dez vezes por dia. Tenho controle total da minha ereção. Digo “sobe”, o Zezinho sobe; digo “desce”, o Zezinho desce.

Que figura. Pensa que é encantador de serpentes. Desconfie de gente que bota apelidos no próprio pau. O desfecho, claro, foi previsível: na hora agá, “Zezinho” fez greve de fome.

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Passa o tempo e nada da mulherada aparecer. Enquanto isso, a Mulher Mais Feia do Elenco filma em todas as posições e cômodos possíveis e imagináveis, com os ociosos do elenco (exceto N. e seu inoperante “Zezinho”, claro). L., que fez questão de operar a câmera (“eu não tremo!”), escolhe os ângulos mais infelizes e mal iluminados para registrar. Acompanho tudo pelo monitor.

– Olha só esse ângulo genial que eu estou captando!

A famosa tomada por trás. Tão mal feita que a bunda cabeluda do ator ocupa dois terços e meio da tela.

– Tá dando estouro de luz, L.
– O que? Desliga da tomada, rápido!

Ai, ai, ai…

***

Uma e meia da manhã. Parece que Mulher Mais Feia do Elenco vai mesmo ser a estrela da fita. Coitada, vamos dar-lhe algum crédito – ela se esforçou tanto! Fez sexo anal até sangrar, literalmente. “Puxa vida”, diz ela, “nunca fiz isso antes!”. Tá bem, e gnomos existem.

Terminam as filmagens, mas não o pesadelo. A Mulher Mais Feia do Elenco, se achando a próxima Savannah, resolve renegociar o cachê sob ameaça de não assinar o contrato.

O tempo fecha. A noite é fria e longa.

***

Segundo dia de filmagens. O problema se repete: três marmanjos e nada de mulher. L., pensando no aluguel da câmera e desesperado demais para raciocinar, tenta em vão convencer o trio a rodar algumas cenas gay. Alguém da produção lembra de uma amiga que “talvez tope fazer”. Telefona pra ela, anda!

Chega a tal amiga. Loira. Magra. Sem sal. E com herpes nos lábios.

L. arrasta a menina para o banheiro, antes dos marmanjos terem chance de vê-la, e ordena à maquiadora que disfarce as marcas de herpes com batom bem forte.

– Você não vai fazer uma sacanagem dessas com os caras, vai?
– Que se danem! E se contar pra eles eu acabo com a tua raça!

Canalhice não é comigo. Claro que eu aviso o elenco. Claro que peço as contas na mesma hora. Claro que não recebo um centavo. E claro que o elenco também leva um belo calote.

***

Dois anos depois estou trabalhando com C., outro pseudo-diretor. E tão ruim quanto L., embora seja impossível convencê-lo disso. Ele prefere se iludir. “Meus filmes são melhores que os do Carlo Mossy”, trompeteia. Saco.

Primeiro dia de filmagens. Encontro com o pessoal na garagem do flat. Tudo certo: iluminador, maquiador, ator…

– Quem é aquela gorda horrorosa, C.? A camerawoman?
– Não, a câmera eu mesmo faço. Ela é a atriz. Foi a única que topou fazer dupla penetração.

Se ela era feia? Bem… originalmente, sim. Queria se manter incógnita e pediu um disfarce. Lhe arranjam uma peruca Canecalon loira e um par de óculos Ray Ban. Ela fica a cara do Professor Raimundo, com buço e tudo. Resultado: a planejada DP simplesmente não acontece, porque os dois atores se revezam nas brochadas.

***

Segundo dia de filmagens:

– Quatro horas. Cadê as moças? Liga pra elas, C.
– Elas vêm. Devem ter se atrasado.
– Cinco e quarenta. Liga pra elas, C.
– Vai ficar chato!
– Chato é gastar um dia de aluguel da Hi-8! Liga pra elas, C.
(cinco minutos depois)
– E aí, C.?
– Elas ficaram na praia o dia todo e não querem mais vir!

***

Uma da manhã. Dia perdido. Vamos à caça de elenco num inferninho da Praça Mauá. Moçoilas graciosas passeiam de uma mesa a outra, mas C. acha melhor tratar diretamente com A. – uma bicha simpática que dubla Elymar Santos, apresenta os shows de striptease e supostamente empresaria as mulheres.

– Levo as meninas amanhã! Dou certeza! Juro pela minha mãe mortinha! – garante A. Não sinto firmeza e, na saída, sugiro dar uma passadinha na Help! Melhor ter gente de stand-by.
– Eu acho bobagem. Se o A. garantiu que vem, tá garantido! – diz C.

***

Terceiro dia de filmagens:

– “Garantiu, tá garantido”, né, C.?
– Deve ter acontecido alguma coisa. Deixa eu ligar pra ele de novo.
– Seis horas de atraso, C.!
– Alô? O A. chegou? Ainda não?
– Eu avisei! Eu avisei!

***

Ah, esqueci de falar do cenário. Um apartamento despojado. Literalmente despojado. Na sala, um sofá, uma poltrona, paredes brancas, papel de presente à guisa de cortina nas janelas, e mais nada. No quarto, simplesmente nada. Até as tomadas elétricas estão sem os espelhos. Olho boquiaberto toda aquela pobreza, e alguém me cutuca.

– Dá licença?

C. e o assistente de produção carregam um colchão novinho, ainda no plástico, para o quarto. Deixo passar vinte minutos, monto a iluminação, decupo as fitas, e nada do resto da cama aparecer. Entro no quarto e lá está o colchão, no chão, coberto por um lençol encardido.

– É aqui que o pessoal vai trepar! – diz C., com um sorriso amarelo. Devia ser gozação.

Mas não era.

(NOTA: Escrevi essa bodega quando tinha 30 anos. Tou com 40. Cacilda, como o tempo passa enquanto a gente tá se fodendo!)